Lemos sobre a defesa do trabalho um artigo de um
conhecido sindicalista galego: Com esta posição (os partidários da RBU)
negam-lhe na prática, à classe trabalhadora um direito fundamental como é o direito
de trabalhar e viver com dignidade do mesmo, renunciando a uma verdadeira
posição progressista e de esquerda.” (Suso Seixo, ex-Secretário-Geral da CIG).
(I)
Descobrimos a “economia científica” com um dirigente
de esquerda estatal (IU): “... todo economista sabe que onde há necessidades há
economia, há emprego (sic) e geração de renda...” (Eduardo Garzón, em defesa do
“Trabalho Garantido”). (II)
Lembramos vozes da nossa infância sobre a terrível
preguiça: “Na terra do meu homem quem não trabalha não come” (Carme Carbajales,
minha avó materna).
E continuamos com verdades como punhos sobre o
trabalho. E sobre a preguiça "seria absolutamente injusto que ... fossem
dedicados recursos públicos para pagar
uma renda (refere-se a uma RBU) a pessoas que não querem trabalhar ou a todos
aqueles que por sua renda podem levar uma vida econômica muito tranquila"
(presumivelmente, estes últimos não precisaram exercer seu direito ao trabalho
nem precisam viver com dignidade de seu trabalho)
E nós, direitistas que seica não sabemos sobre
economia nem ética, nem de classes sociais, nem de como a vida é dura,
lembramos que tanto os inquéritos quanto os resultados dos projetos-piloto sobre
RBU desmentem essa suposta preguiça. (III)
Nem é preciso dizer que os apoiadores da RBU estão,
até onde eu sei, unanimemente de acordo com o Direito ao Trabalho. E com a
Busca do Pleno Emprego. E com a redução da jornada, etc. Quem não o vai estar
nesta sociedade?
Mas propostas como o Trabalho Garantido (IV),
mecanismo proposto no programa estrela de "Izquierda Unida", também
não buscam pleno emprego imediato e de qualidade. Porque não se pode, e muito
menos neste Reino cheio de desemprego estrutural. Eles falam de 1 milhão de
empregos por ano, o que nos permite ter uma ideia de quando viria (se o
programa for cumprido) o pleno emprego .... Na verdade, as propostas de
empregos garantidos foram elaboradas para economias com uma porcentagem
relativamente pequena de desempregado. Por exemplo, para os EUA.
Mas, realmente, quem somos da esquerda, reivindicamos
o direito de viver de um trabalho remunerado (garantido ou não) ou assumimos
que é uma mercadoria de venda obrigada e não sempre obtida? Somente sentimos
dignidade quando vendemos nosso trabalho? Unicamente o trabalho remunerado é,
pessoal e socialmente, útil? Vamos tirar-lhe de comer a quem não quer trabalhar
(e não tem dinheiro de seu, é claro)?
Acho que este é o grande debate sobre a RBU. Tanto as
Rendas Condicionais quanto o Trabalho Garantido estão baseadas na defesa de
conceitos como Direito ao Trabalho, a busca do Trabalho Digno ou o Desprezo
pela Preguiça. “Quem não trabalha não come”. Ponto.
Eu sou daqueles que pensam que o trabalho define a
espécie humana, que é o que nos diferencia do resto dos animais. Somos mais
homo faber "o que faz" do que homo sapiens "o que pensa".
Ser capaz de mudar a natureza é o que nos tornou e nos torna diferentes. É o
que nos trouxe a civilização E também os problemas ecológicos.
Mas o conceito de trabalho é muito amplo. Há quem
diferencia entre três modalidades, trabalho remunerado, de cuidados e
voluntário, mas quem desde certa esquerda reivindicam que "o trabalho
dignifica" ou exige o "direito ao trabalho" estão a falar
sempre, exclusivamente, do primeiro, o remunerado, o "trabalho que conta
no PIB". Desprezam, deste jeito, os empregos que melhoram a vida das
pessoas, sendo até essenciais para o funcionamento da sociedade, mesmo que não
contabilizem no PIB. "Se algumas trabalhadoras não remuneradas parassem,
pararia o mundo."
É claro que eles diferem de pessoas tão pouco
suspeitas de serem de direita quanto Karl Marx, que chegou a comparar o
trabalho remunerado com o que fazem as bestas, ou com a peste (desde que não
exista nenhuma coerção física ou outra qualquer, foge-se dele como se fosse uma
peste) incluindo-o no conceito de “trabalho alienado” (V) comparando-o com o de
escravos.
Um trabalho, o remunerado, em que se faz o que outra
pessoa manda fazer e não o que tu queres (ou a sociedade, por certo) e em que a
plusvalia do trabalho realizado vai para outra pessoa e não para ti (nem para a
sociedade, por certo).
Um trabalho que não dignifica nem deixa de dignificar
porque essa não é a sua função. Um trabalho que Marx (e não só Marx) define
como mercadoria: a de quem não tem mais nada para vender. Um trabalho que nos
tira o tempo. Tempo em que muitas vezes faríamos outros trabalhos que, para nós
e provavelmente também para a sociedade, seriam mais gratificantes,
importantes, benéficiosos ...
A realidade, teimosa, mostra-nos como as condições de
venda da força de trabalho entre possuidores e compradores (capitalistas) neste
sistema, que segue a ser basicamente o mesmo que Marx estudou no referido
artigo, são sempre favoráveis à classe dos capitalistas. Certamente houve
variações históricas e locais, e cómpre lembrar por que de fato na Europa e até
os anos 80 vivíamos uma delas com cotas de dignidade do trabalho e de pleno
emprego provavelmente nunca vistas antes (os motivos dariam para outro artigo e
outro debate) e isso também obscurece um pouco a percepção atual do que é
“trabalho remunerado” no capitalismo.
É assim que se compreende o papel fundamental dos
sindicatos para conseguir melhores condições de venda dessa mercadoria, na
busca pelo que se denomina “conseguir um emprego digno”. Ou na busca pelo
"direito ao trabalho" (dito desde uma certa esquerda: direito de
poder vender a força de trabalho para, desse jeito, ter direito a uma vida,
mais ou menos, digna)
Então eu acho que os sindicatos deveriam parar de se
perguntar se uma RBU vai criar um exército de vagos e coisas assim e perguntar
seriamente se uma Renda Básica Universal melhoraria ou pioraria as condições de
negociação da classe trabalhadora, a atual, essa classe trabalhadora cheia de
Precários/as, Temporários/as, Tempo-Parcialistas a jornada completa, etc.
Parece-me óbvio que melhoraria o poder de negociação
da classe trabalhadora, pois por um lado enfraqueceria a principal ferramenta à
disposição do capital para discipliná-la, o exército de reserva, e por outro, a
RBU poderia se tornar uma Caixa de Resistência.
E também favoreceria o caminho para uma mudança de
sistema que supere o capitalismo neoliberal atual, como Suso Seixo aspira no
referido artigo. Ou o capitalismo, sem adjetivos, como aspirava o referido
Marx, entre outros.
Mas parece que os sindicatos, absortos na luta pela
melhoria das condições de trabalho, ou pelo menos pelo seu mantimento para
aqueles que ainda mantêm boas condições, não o percebem.
Acima de tudo, estamos em um momento que parece tirado
das palavras de Karl Marx nos mesmos manuscritos de 1844, dos quais o
"trabalho alienado" faz parte: "Os salários e lucros do capital
serão provavelmente muito baixos em um país de último grau de riqueza
possível”.
Porque a automação, a quarta revolução industrial (VI)
que virá quando ainda “sofremos” a terceira, parece estar a caminho de ser
esse, o último grau possível de riqueza, por mais provisório que seja esse
“último grau possível” até o próximo máximo)
Ou, como Stephen Hawking (VII) disse de forma mais
crua: "Se as máquinas produzirem tudo de que precisamos, o resultado dependerá de como as coisas são distribuídas. Todo mundo poderá aproveitar uma vida de lazer luxuoso se a riqueza produzida pela máquina for compartilhada, ou a maior parte das pessoas pode se tornar miserável se os donos das máquinas conseguirem se posicionar contra a redistribuição da riqueza. Até agora, a tendência tem sido para a segunda opção, com a tecnologia aumentando a desigualdade".
A RBU pode ser importante neste sentido pelo seu papel
no combate à pobreza e pelo seu efeito redistributivo, mas também é uma
proposta que quere ser parte integrante de uma política económica diferente,
com uma concepção diferente de trabalho, remunerado e não remunerado, que
afetará a muitos aspectos da vida.
Na verdade, acho que não é por acaso que vários
movimentos sociais estão defendendo-a a partir de suas próprias posições.
Destacam alguns recentes: Trabalhadores de Saúde Mental (VIII), Colégio de
Trabalhadores Sociais (IX), que se une ao Colégio de Educadores Sociais, o
Mundo da Cultura (X), as organizações que compõem o Plano de Choque Social
(XI), o Plataforma de Afetados pela Hipoteca (XII) ...
Notas:
I) Artigo Suso Seixo:
https://www.cig.gal/nova/a-renda-basica-universal-unha-alternativa-de-esquerdas.html
II) Artigo Eduardo Garzón:
http://eduardogarzon.net/criticas-a-la-renta-basica-universal-desde-la-izquierda/
III) III) -Pesquisas. Por exemplo, uma de 2015 realizada na Catalunha (IX). Entre os cidadãos ocupados, 86% continuariam a trabalhar da mesma forma, 8% trabalhariam menos horas e 2,9% deixariam de trabalhar. Entre os desocupados, 84,4% continuariam procurando trabalho, 11,4% procurariam trabalho com menos horas e 2,2% parariam de procurar trabalho. Os motivos para tentar trabalhar menos horas são, da maior para a menor proporção, dedicar-se mais à família, ao lazer, à procura de um emprego melhor, aos estudos, à criação de um negócio próprio e ao voluntariado altruísta.
-Projetos-piloto. Eles também não veem esse efeito de vagabundagem. No caso da Índia, a produtividade aumentou na comunidade com RBU mais do que nas outras e mais do que no passado. O mesmo resultado foi observado no projeto veterano deste século, o de Otjivero, na Namíbia, e no experimento, tão rapidamente dado por fracassado, da Finlândia, que levou a que agora já não se dizer que a RBU cria vagos, mas que não incentiva significativamente a procura de emprego.
IV) Trabalho Garantido:
http://www.redmmt.es/plan-trabajo-garantizado-izquierda-unida/
V) Karl Marx: Manuscrito económico-filosóficos de 1844- Do Trabalho Alienado:
https://www.marxists.org/espanol/m-e/1840s/manuscritos/man1.htm#1-4
VI) Quarta revolução industrial:
https://es.wikipedia.org/wiki/Revoluci%C3%B3n_industrial_etapa_cuatro
VII) Stephen Hawking:
http://www.redrentabasica.org/rb/stephen-hawking-sobre-el-futuro-del-capitalismo-la-desigualdad-y-la-renta-basica-2/
VIII) Saúde Mental e RBU:
IX) Colégio Trabalhadores Sociais e RBU:
X) Cultura e RBU:
XI) Plan de choque social e RBU:
http://www.plandechoquesocial.org/comunicados/plan-de-choque-por-la-emergencia-de-la-renta-basica/
XII) Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH) e RBU: